A Justiça da Venezuela determinou nesta segunda-feira (23) uma ordem de prisão preventiva contra o presidente da Argentina, Javier Milei, e outros dois funcionários do governo. A sentença foi emitida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) depois de um pedido do Ministério Público. A medida foi tomada depois do roubo do avião da estatal venezuelana Emtrasur. A decisão, no entanto, não tem caráter internacional e só é válida se Milei entrar na Venezuela.
O Ministério Público do país pediu, nesta terça-feira (24), um alerta vermelho à Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) contra Milei. Se adotada, a medida passa a ser um pedido para as autoridades policiais de todos os países do mundo para identificar e prender provisoriamente alguém. A ferramenta, no entanto, não tem caráter de mandado de prisão internacional e funciona apenas como um pedido.
Em resposta, a Câmara Federal da Cidade de Buenos Aires determinou uma ordem de prisão contra o chefe do Executivo venezuelano, Nicolás Maduro, e o ministro do Interior, Diosdado Cabello. Eles são acusados pelo governo argentino de terem cometido crimes de “lesa humanidade”. O pedido havia sido feito no começo de 2023 e foi apresentado pelo grupo Fórum Argentino para a Defesa da Democracia (FADD).
Segundo a Justiça argentina, Maduro e outros integrantes do governo são responsáveis por ações “sistemáticas” de repressão e tortura em seu país. O tribunal, no entanto, não apresentou provas e apenas ouviu um grupo de denunciantes que teriam deixado a Venezuela e prestado depoimento.
A denúncia contra Milei partiu da apreensão de um avião venezuelano no começo de fevereiro. A aeronave da companhia estatal Emtrasur estava retida havia um ano e meio na Argentina, foi apreendida pelos Estados Unidos e levada para a Flórida. O Boeing 747 foi retido no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, em junho de 2022, por causa de um tratado de cooperação judicial entre a Argentina e os EUA.
O avião foi impedido de abastecer e voltar para a Venezuela. Precisando de combustível, a tripulação tentou ir para o Uruguai, mas teve o pouso negado no país.
Depois, a aeronave foi apreendida pelos EUA e enviada para o sul. Imagens em redes sociais mostraram o avião sendo desmontado na Flórida. Na ocasião, o governo da Venezuela emitiu uma nota rechaçando o “roubo descarado” da aeronave. O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela também condenou a “confabulação” dos governos da Argentina e dos EUA contra o país.
Em resposta, a Venezuela fechou o espaço aéreo para voos que tenham como origem ou destino a Argentina. O chanceler venezuelano, Yván Gil, chamou o governo argentino de “neonazi” e disse que a gestão do presidente Javier Milei é “submissa e obediente” aos EUA.
Longa troca de farpas
O episódio do avião foi apenas um capítulo dentro de uma tensão diplomática que vem desde a posse de Milei em dezembro de 2023. Antes mesmo de assumir, o argentino disse que romperia relações com os venezuelanos e não indicou um novo embaixador para Caracas. Em outras ocasiões o argentino chamou Maduro de “ditador”. Milei chegou a dizer que encabeçaria uma articulação contra a Venezuela para que as sanções contra o país aumentassem.
O chefe do Executivo venezuelano respondeu afirmando que os argentinos cometeram um “erro fatal” ao eleger Milei e que o argentino representa o “sionismo, o novo fascismo”.
Em maio, a Casa Rosada cancelou o sinal da Telesur, veiculado pela Televisão Digital Aberta (TDA) da Argentina. O canal multiestatal tem sede em Caracas. Maduro, disse na ocasião que o chefe do Executivo da Argentina “tem medo da emissora” e que ele “não vai poder censurar” a Telesur.
Sem representação diplomática no país, a embaixada da Argentina na Venezuela está sendo usada desde março como asilo para seis venezuelanos opositores que afirmam estar sendo “perseguidos”. Eles são ligados ao grupo de extrema direita Vente Venezuela e à coalizão Plataforma Unitária, que teve o ex-embaixador Edmundo González Urrutia como candidato das eleições de 2024, cujo vencedor foi Maduro.
Em agosto, a embaixada brasileira assumiu a representação diplomática argentina em Caracas. No entanto, o governo da Venezuela suspendeu a custódia do Brasil sobre a embaixada argentina por ter mantido os venezuelanos exilados.
Já nesta terça-feira (24), Milei voltou a chamar a Venezuela de “ditadura sanguinária”, mas dessa vez na Assembleia Geral da ONU. Em seu primeiro discurso no evento das Nações Unidas, Milei disse que a mesma casa que defende os direitos humanos permitiu a entrada de “ditaduras como Cuba e Venezuela” no Conselho de Direitos Humanos.
Milei na ONU
Além de criticar a Venezuela, Milei aproveitou o espaço para criticar a estrutura da ONU. Segundo o argentino, a organização era um importante instrumento de defesa das liberdades individuais, principalmente depois da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Agora, para ele, o organismo perdeu credibilidade junto aos cidadãos por “impor uma agenda ideológica”.
“Em algum momento a ONU deixou de velar pelos direitos fundamentais. Começou a mudar. Passou de perseguir a paz para uma organização que impõe uma agenda ideológica a seus membros. É um modelo de burocratas supranacionais que quer impor ao mundo um determinado modelo de vida”, afirmou.
Milei não deixou de usar um de seus principais lemas: a crítica a tudo que considera “socialista”. Dessa vez a crítica foi voltada à Agenda 2030, que tem como objetivo estabelecer metas para o desenvolvimento sustentável no mundo. Para ele, a agenda é um “programa de governo supranacional de corte socialista” e a ONU se tornou “impotente” para resolver os problemas reais.
“O próprio secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] fala em definir um novo modelo de contrato social em escala global. A Agenda 2030, ainda que bem intencionada nas suas metas, não é outra coisa senão um programa de governo supranacional de corte socialista que atenta contra a liberdade”, afirmou.
Ele também disse que a Argentina agora está em um processo de profunda mudança e escolheu o “caminho da liberdade” com sua eleição. Defendeu o livre comércio, disse ser economista e não político e terminou seu discurso com a frase que marcou sua campanha: “Viva a liberdade, caralho”.
Edição: Nicolau Soares