O Brasil vive hoje uma “pandemia nacional” das apostas, descreveu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Segundo ele, a atividade das chamadas bets cresceu rapidamente e sem controle no país nos últimos cinco anos. O vício nos jogos e os prejuízos que isso têm causados às famílias e a toda a economia viraram um “problema social”.
Esse problema está relacionado principalmente à omissão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em seu governo, o mercado de apostas no Brasil deveria ter sido regulado, com fixação de regras e limites para a atividade. Bolsonaro, no entanto, não agiu para isso. Sem a supervisão governamental, as bets cresceram vertiginosamente.
Nos últimos 12 meses, embolsaram cerca de R$ 68,2 bilhões. Comprometeram 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, 0,95% do consumo total, 1,92% de toda a massa salarial brasileira e 1,38% do orçamento familiar das classes D e E, que abrangem beneficiários de programas sociais federais.
Não deveria ter sido assim.
Em 2018, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB), entrou em vigor a lei 13.756, que liberou as apostas esportivas no Brasil – algo que, até então, era ilegal. Tal lei era uma antiga MP assinada por Temer buscando destinar recursos de loterias para o esporte nacional. Foi modificada no Congresso e acabou legalizando as bets.
A mesma lei estabeleceu que o governo tinha dois anos para regulamentar artigos da legislação para regular o mercado de apostas. O prazo poderia ser prorrogado uma única vez, por mais dois anos. Como a lei entrou em vigor em dezembro de 2018, ao final, o governo empossado tinha até dezembro de 2022 para regulamentar as apostas.
Acontece que, depois de Temer, assumiu Bolsonaro. E, em 2022, ele estava completamente determinado em se reeleger – o que não aconteceu.
A omissão de Bolsonaro, inclusive, está registrada num estudo da consultoria Strategy& sobre o mercado de apostas no Brasil. “O governo federal não cumpriu o prazo para regulamentar as apostas esportivas de cota fixa. Com as eleições presidenciais no período, o timing se mostrou crítico. Com isso, a disposição para aprovar o regulamento diminuiu substancialmente”, descreveu a empresa.
“A lei previa que durante o governo do Bolsonaro o assunto tinha que ser regulamentado. Bolsonaro não fez isso”, ratificou Haddad, criticando o antigo presidente. “O governo Bolsonaro simplesmente sentou em cima do problema como se ele não existisse.”
Nova realidade
As falas do ministro vieram nesta sexta-feira (27), em um pronunciamento sobre as apostas no Brasil. Além de criticar Bolsonaro, lembrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou ações sobre o tema assim que tomou posse.
“No primeiro semestre do atual governo, nós mandamos uma Medida Provisória para o Congresso Nacional regulamentar e pra botar ordem no caos que se instalou no país com essa verdadeira pandemia. A medida provisória infelizmente não foi votada e caducou”, afirmou Haddad, referindo-se à MP 1.1182/2023, editada em julho.
Haddad também disse que a regulamentação das apostas veio só seis meses depois, por meio da Lei 14.790/2023. “Aproveitamos um outro projeto de lei e, no final do ano passado, conseguimos incluir nele o texto da MP que havia caducado”, afirmou, fazendo uma ressalva.
“Inseriram no projeto de lei um dispositivo dizendo que a regulamentação só passaria a valer seis meses depois de publicado”, disse.
Regulamentação ativa
A regulamentação, agora em vigor, prevê o cadastramento de empresas para que elas sejam autorizadas a operar no Brasil. Para se cadastrar, as companhias precisam passar por um crivo do Ministério da Fazenda e pagar R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos – algo que entraria como arrecadação para os cofres da União.
Empresas autorizadas a operar no Brasil precisam recolher em forma de impostos 12% de tudo o que recebem em apostas ao governo. Já os apostadores contemplados vão ter de pagar 15% de imposto de renda sobre seus prêmios.
Além da questão tributária, a regulamentação das bets prevê restrições de publicidade e obrigatoriedade para desestímulo às apostas. Menores de idade, inadimplentes e quem pode influenciar nos resultados dos jogos estarão proibidos de jogar.
“O presidente já pediu providências de todos os ministérios envolvidos: Fazenda, Saúde, Desenvolvimento Social, Esporte. Tudo para coibir a lavagem de dinheiro, o endividamento, o banimento das empresas não credenciadas do espaço brasileiro. Chegou a hora de colocar ordem nisso e proteger a família brasileira”, acrescentou Haddad.
Neste mês, o governo publicou uma portaria prevendo a suspensão do funcionamento dos sites desse tipo de jogo que não estiverem devidamente regularizados no país a partir do dia 11 de outubro. Empresas de jogos que operarem no Brasil sem autorização podem receber multas de até R$ 2 bilhões.
Edição: Nicolau Soares