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Anti-imperialismo e reforma agrária aproximam MST da Venezuela, afirma Stedile

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Chamado pelo ex-presidente Hugo Chávez de Revolução Bolivariana, a corrente política que transformou a Venezuela e permeia as relações sociais do país tem hoje uma relação muito próxima com um movimento brasileiro que colocou no centro do debate a reforma agrária e a necessidade de unir os povos em torno de uma alternativa ao modo de produção capitalista: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, particularmente tem uma relação especial com o processo revolucionário venezuelano e ajudou a organizar projetos do movimento na Venezuela. O último deles é um trabalho conjunto entre o governo de Nicolás Maduro e o MST para a produção de alimentos em uma área de mais de 10 mil hectares no estado de Bolívar.

“Nosso papel é contribuir para o desenvolvimento daquela região. Implementando um projeto produtivo, que possa melhorar a renda e a vida das pessoas que já estão lá”, disse Stedile em entrevista exclusiva para o Brasil de Fato.

Para isso, o MST terá que mobilizar técnicos que conhecem o sistema de agrofloresta e a produção camponesa na Venezuela. O presidente Nicolás Maduro já convocou mil brigadistas do movimento para atuarem no país e o projeto de Bolívar é prioritário.

“Nós achamos que o melhor modelo seria um projeto de desenvolvimento agro-silvo-pastoril, ou seja, numa mesma área, você refloresta com árvores nativas, planta árvores frutíferas do bioma que possam dar renda – como cacau, banana e cupuaçu – planta alimentos da culinária local, e implementa a pecuária”, afirma o dirigente.

No último dia 23 de setembro, membros da brigada do MST na Venezuela, acompanhados de Stedile, se reuniram com o presidente Nicolás Maduro e ministros para detalhar e dar início ao projeto conjunto.

“A pauta principal é a defesa da soberania alimentar. Os camponeses precisam ser empoderados por políticas públicas para que produzam alimentos saudáveis para todo povo”, disse Stedile.

De acordo com ele, a área onde será realizado o trabalho do MST já foi da família de John Rockefeller, dono do grupo petroleiro Standard Oil. Em 1937, o neto Nelson Rockefeller foi para a Venezuela representando a Creole Petroleum, braço da Standard Oil de Nova Jersey, e passou a não só investir no petróleo venezuelano, mas também a comprar terras.

Em 2005, o então presidente Hugo Chávez fez um programa para expropriar terras que estavam sem uso e não tinham sua posse comprovada. Como parte de uma reforma agrária promovida pelo governo, essas terras foram redistribuídas para pequenos agricultores para que cumprissem a função social.

Segundo Stedile, mesmo que a implementação desse programa demore, será um projeto modelo de produção sustentável para todo bioma da Amazônia.

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato: O que é e como vai funcionar o projeto conjunto do MST com o governo da Venezuela? 

João Pedro Stedile: A área no Estado de Bolívar tem um histórico particular, porque se trata de um grande latifúndio de 181 mil hectares, que chegou a pertencer a família Rockefeller e que Hugo Chávez desapropriou para que o Estado venezuelano, desse um destino social. Temos lá um Parque Nacional, áreas indígenas, áreas de preservação e comunidades camponesas.

Nosso papel é contribuir para o desenvolvimento daquela região, implementando um projeto produtivo que possa melhorar a renda e a vida das pessoas que já estão lá. Aumentar o potencial para que mais camponeses venezuelanos se desloquem para lá. Achamos que o melhor modelo seria um projeto de desenvolvimento agro-silvo-pastoril, ou seja, numa mesma área você refloresta com árvores nativas, planta árvores frutíferas do bioma que possam dar renda – como cacau, banana, cupuaçu – planta alimentos da culinária local, para que a população se alimente bem, e implementa a pecuária, que parece que na região o búfalo seria uma boa alternativa, pois daria carne e queijo.

Que tipo de mobilização é necessária para executar esse tipo de projeto? 

Para esse projeto que o governo está de acordo, vamos mobilizar técnicos que conhecem o sistema de agrofloresta, camponeses e as forças armadas. Mas tenho certeza que, embora sua implantação demore, teremos um projeto que pode ser modelo de produção sustentável para todo bioma da Amazônia, que abrange oito países.

Quais são os pontos de convergência entre o processo revolucionário venezuelano e a política do MST?

Desde a vitória eleitoral do presidente Hugo Chávez, em 1998, o inicio do seu governo, a realização da constituinte em 1999 e a implementação de um novo projeto de país, nos identificamos com o processo bolivariano que se iniciou. Se fôssemos elencar alguns pontos de identidade, poderíamos citar a ideia geral de soberania nacional, de libertação do imperialismo estadunidense, do uso dos recursos da nação em prol das necessidades do povo e a deliberação política de que nada disso seria alcançado sem um processo de organização das massas e de mobilização das massas venezuelanas. Ou seja, a força real de um projeto de país depende da capacidade de organizar o povo e de motivá-lo a lutar e defender um novo caminho.

No tema agrário, também tivemos muitos debates e coincidências na defesa de uma reforma agrária, na defesa da soberania alimentar, ou seja, os camponeses precisam ser empoderados por políticas públicas para que produzam alimentos saudáveis para todo povo.

Como se desenvolveu a proximidade entre o MST e o governo venezuelano? Isso mudou ao longo do tempo? 

A partir daquela identidade política e ideológica, foi natural que a gente se aproximasse das organizações camponesas, populares e do governo Chávez. Pelo que me lembro, os primeiros contatos foram durante uma reunião do Parlamento Latino, em Caracas, e depois quando convidamos Chávez para participar do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2005. Ele conheceu um assentamento nosso em Tapes (RS). Lá projetamos em conjunto uma rede de escolas de agroecologia, o Instituto Latinoamericano de Agroecologia (IALA), que hoje tem mais de dez escolas pela América Latina.

Na Venezuela, procuramos desenvolver projetos de intercâmbio com as organizações camponesas e comunas, que levassem a produzir sementes e ao intercâmbio na agroecologia. Assim, como o governo sempre nos ofereceu vagas para nossos jovens estudarem na Escola Latino-americana de Medicina. Nos sentimos como povos irmãos e procuramos nos ajudar em vários espaços específicos relacionados com a agricultura e tecnologia.

O governo da Colômbia e do Brasil têm cobrado a divulgação dos resultados eleitorais detalhados depois da vitória de Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Essa postura colabora para isolar a Venezuela? 

Não vejo o governo da Venezuela isolado. Há sim um ataque coordenado da mídia burguesa de todo mundo contra a Venezuela, apoiada pelas redes sociais das grandes Big Techs, uma verdadeira guerra cibernética, como denunciou o presidente Maduro. Acho que as posturas do governo colombiano e brasileiro acabaram ficando mais na retórica do que em fatos reais. Os empresários dos dois países, por exemplo, seguem ampliando o comércio e o investimento na Venezuela. Sinceramente não vejo a Venezuela isolada.

Há 14 países direitistas que se juntaram aos Estados Unidos e que ficam criticando a Venezuela. São os mesmos que apoiam a Otan na guerra da Ucrânia, Israel no massacre dos palestinos, o reino de Marrocos contra o povo Saharaui, a ocupação militar do Haiti. Não têm nenhuma moral. A imensa maioria dos países do mundo reconhece o governo Maduro e acho que a tendência é as relações diplomáticas voltarem ao curso normal e deixarem de lado a retórica.

Você acha possível uma possível uma mudança de postura do governo brasileiro até a posse de Maduro, marcada para janeiro de 2025? 

Na minha opinião, o Itamaraty adota uma doutrina que não condiz com os interesses do povo brasileiro, em vários aspectos e relações. Eles defendem, por exemplo, que seus diplomatas devem defender os interesses do Estado brasileiro, independente de governos. Santa paciência, então para que eleições? E quais os interesses do Estado? No fundo, acho que eles têm uma visão burguesa do mundo e das relações internacionais, por isso não tem a ver com os interesses do povo e com nosso desenvolvimento.

Agora mesmo estão defendendo o acordo do Mercosul com a União Europeia. Todos os movimentos populares e os pesquisadores denunciam que é um acordo que só beneficiará a indústria europeia e as exportações de commodities e que vai prejudicar a indústria nacional e a agricultura familiar, mas eles insistem em bajular os governos e os capitalistas europeus.

Edição: Lucas Estanislau