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Caribe: revoltas na Martinica desafiam poder colonial francês

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Há semanas, a ilha caribenha da Martinica – colônia francesa ou departamento de ultramar da França – , está envolvida em uma intensa onda de protestos contra o alto custo de vida. Os altos preços dos alimentos desencadearam uma revolta que incluiu bloqueios de estradas, no porto de Fort-de-France – a capital da ilha – e enfrentamentos entre os manifestantes e a polícia.

Com 350 mil habitantes, a ilha da Martinica enfrenta sérios problemas sociais: em meio à inflação galopante, um em cada quatro martinicanos vive abaixo da linha da pobreza. Nesse contexto, os preços dos alimentos estão até 40% mais altos do que na França continental.

Na última quarta-feira (18), no meio de uma semana marcada por uma escalada do conflito, o prefeito Jean-Christophe Bouvier decretou toque de recolher em Forte da França e Le Lamentin, cidades que têm sido o epicentro do movimento. O governo também declarou que as manifestações públicas estariam proibidas.

As autoridades locais informaram a chegada de policiais antimotins da França neste fim de semana. Trata-se das “Companhias Republicanas de Segurança”, uma das forças de segurança da Polícia Nacional Francesa usada para reprimir manifestações. Acusadas de violações dos direitos humanos, essas forças foram empregadas em Guadalupe em 2009, quando um movimento social sem precedentes paralisou o país por quase dois meses e começou a se espalhar para outras colônias francesas.

De acordo com as autoridades, as restrições aos protestos têm o objetivo de “pôr fim à violência e aos danos perpetrados nessas manifestações, bem como aos inúmeros obstáculos à vida cotidiana e à liberdade de movimento que castigam toda a população, principalmente nos fins de semana”.

No entanto, apesar das proibições, na última sexta-feira os motoristas de táxi bloquearam as principais estradas do país e, na noite do sábado, grandes protestos pacíficos foram realizados, desafiando o toque de recolher.

Além dos preços dos alimentos

O movimento de protesto é liderado pela Associação para a Proteção dos Povos e Recursos Afro-Caribenhos (RPPRAC). Este movimento iniciou suas atividades em junho, quando, por meio da mídia social, começou a convocar mobilizações para exigir preços acessíveis e melhorar o poder de compra dos habitantes dos territórios ultramarinos.

Entretanto, as demandas do RPPRAC vão além do custo dos alimentos. Em uma entrevista à France-Antilles, Aude Goussard, uma das porta-vozes do movimento, explicou que o objetivo é abordar todas as dificuldades enfrentadas por seu povo, incluindo problemas ambientais, legais, sociais e culturais.

Em 1º de julho, o RPPRAC emitiu um ultimato às principais empresas comerciais, exigindo a equiparação dos preços dos alimentos nos territórios ultramarinos com os da França continental. No entanto, a falta de resposta desencadeou uma espiral de protestos que atualmente está estremecendo a ilha.

A prefeitura concordou em abrir um canal de diálogo no início do mês, mas após três semanas de manifestações, desistiu de manter a conversa. O principal ponto de discórdia é que os representantes da RPPRAC estão exigindo que as negociações sejam transmitidas ao vivo para que toda a sociedade possa ouvir as conversas, algo que as autoridades da ilha se recusam a fazer.

Foi nesse contexto que ocorreu a primeira grande escalada de violência, quando, em 11 de setembro passado, as forças militares reprimiram manifestantes em frente ao Carrefour Dillon. De acordo com uma declaração divulgada pela RPPRAC, “essa intervenção desencadeou uma escalada de violência nos bairros operários vizinhos”.

De acordo com as autoridades locais, desde o início dos protestos, 44 veículos foram incendiados e 35 estabelecimentos foram atacados. 15 pessoas foram presas.

Diante dessa situação, o movimento emitiu um comunicado afirmando que “o diálogo é urgente e essencial” para pôr fim à agitação, para o qual reiteram suas exigências de “negociações públicas e alinhamento de preços com os da França”.

Gladys Rogers, uma das principais porta-vozes do movimento, se distanciou dos atos de violência, afirmando nas redes sociais que “em todo movimento social, há pessoas à margem que se aproveitam do tumulto para fazer todo tipo de coisa”.

“Fizemos vários apelos à calma, que funcionaram. Mas dissemos que não poderíamos conter a raiva das pessoas indefinidamente. Quanto mais as coisas demoram, menos podemos fazer”, afirmou.


Mobilizações em FORT-DE-FRANCE / Ed JONES / AFP

As lutas anticoloniais

Os protestos se dirigem contra o Grupo Bernard Hayot, um conglomerado empresarial com uma longa história na ilha, fundado no século 17 por colonos brancos que exploravam escravos para produzir açúcar.

Hoje, o grupo atua em atividades de importação e exportação nos territórios franceses de ultramar, sendo um dos principais distribuidores de alimentos na Martinica. É propriedade de uma das famílias mais ricas da França, que, somente em 2021, estima-se que obteve lucros de mais de 3 bilhões de euros (quase R$ 20 bi)

O toque de recolher implementado pelas autoridades da Martinica coincide com a decisão da França de estender e reforçar o toque de recolher na “coletividade francesa de ultramar” da Nova Caledônia (ilha da Oceania). A decisão das autoridades francesas deve-se ao temor de que novos protestos se espalhem no contexto do aniversário do início da colonização da ilha pela França em 1853, em 24 de setembro.

Nos últimos quatro meses, a Nova Caledônia tem estado sob um regime de polícia e restrições ao movimento de seus habitantes, devido a uma forte onda de protestos contra a reforma constitucional que está sendo promovida no continente, que amplia a lista eleitoral para incluir cidadãos franceses que vivem na ilha há mais de dez anos.

Edição: Rodrigo Durão Coelho